Eu naufraguei e, ainda por cima, na água salgada que eu mesma juntei. Achei que fosse sobreviver a toda essa tormenta e quando me dei conta eu já estava a mais de mil léguas submarinas, enterrada embaixo da areia mais profunda que eu já havia deparado-me, um sonho era tudo que me restava onde eu podia ouvir sua voz, já que meros humanos embaixo d'água não ouvem nada.
Não vou dizer que não estou confortável, a água salgada, muitas vezes, é mais que um conforto, a gente nem luta, só segura a respiração e espera que alguém puxe-nos para fora da água, ou espera para morrer afogado, só mais uma vez, só afoga mais uma parte.
São várias partes, nunca tinha visto tantas, algumas sentem raiva, outras tristeza, mas as piores são as que estão desesperadas por causa do naufrágio, essas morrem antes por desperdiçar tanta energia se debatendo e fazendo escândalo que até se esquecem de como é que se nada.
E nada, nada muda, várias partes morrem esperando um resgate que não vai chegar nunca, o único resgate foi-se antes do naufrágio, o único que sabia como chegar em um porto. Não! Ele era o porto, era a bússola, era a cruz do norte, era tudo, tudo que me dava uma direção certa para onde seguir e agora, já naufraga, só me resta deixar que as ondas levem-me.
Já me senti boiando entre as águas, mas também já senti que pesava mais de mil quilos, não sei o que é menos difícil, mas sei que jamais vou avistar meu porto de novo, jamais vou sentir o calor e a terra seca, não vou sentir seu cheiro que restava na memória, mas já perdeu-se em meio a brisa que insiste em me jogar pra trás.
Meu porto que foi arrancado de mim com tal brutalidade e crueldade que já não me espanta o meu naufrágio, não me espanta, só dói.
Há ainda algumas partes minhas que insistem em fazer-se de fortes e outras que preferem ficar na ignorância, são justamente essas que assumiram os remos do meu bote, mas elas não sabem remar e colocam-me em círculos de novo e de novo e, ainda por cima, elas brigam entre si porque nenhuma assume que está errada.
Enquanto eu só olho, só assisto e encho ainda mais o mundaréu de água salgada que juntei, percebo que sou só meus cacos agora, só os cacos.
De vez em quando até arrisco-me a olhar para o céu, podia até jurar que uma vez ele meteu-se a desenhar nas nuvens para mim. Foram tantas formas que eu vi, coisas bobas e indiretas que quaisquer pessoas que olhassem veriam e entenderiam também, mas o mais curioso eram nossos segredos escritos no céu, coisas que eram só dele e minhas, expostas para qualquer um ver, mas para ninguém entender. Esse dia até me encheu uma pontinha de esperança que logo as minhas partes desesperadas fizeram questão de afogar.